Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

segunda-feira, 23 de maio de 2016

CANÇÃO DO BOM POVO PORTUGUÊS

CANÇÃO DO BOM POVO PORTUGUÊS:
O TAL QUE SABE TUDO, DE TUDO,
SEM QUERER SABER DE NADA,
OU QUASE-NADA.

Se o povo ouvisse o Jorge Bateira,
E outros como tal,
Talvez vivesse melhor.
Mas para o bom povo Português
Ouvir os outros é, fatal como o destino,
Reportadamente, despiciendo.

O povo sabe tudo sem estudar quase nada.

O povo sabe tanto de finanças como o financeiro.
Tanto de economia como o economista.
Tanto de construção como o engenheiro.
Tanto de medicina como o médico especialista.
Tanto de matraquilhos como os bonecos,
Vestidos à medida do Vermelho, Azul ou Verde,
De madeira.
Tanto da melhor carne como o açougueiro.
Tanto de trajectórias, ziguezagues,
Potência de chuto e pontapé na atmosfera,
Ciência exacta de futebol como o treinador.
Tanto de marcar golos como o futebolista.

O povo sabe tudo e não sabe nada.

Mas não empurra a bola
Como o avançado campista.
Nem recua a defender o seu meio-campo,
Que não quer queimar as pestanas
Cansar ou intumescer as pernas,
Essas deixa-as para coisas mais prazerosas
E maliciosamente terrenas,
Muito menos andar às arrecuas
Para defender a sua, a nossa, baliza.

Limita-se, assim, a mandar bocas.
Ou a apanhá-las,
Como o vulgar apanha bolas e redondas.
Limita-se a comentar que as "ripa-na-rapa-peca"
Parecem, nos pés destoutro, umas ovais melancias.
Limita-se a comentar como fazer entrá-las,
Mesmo quando a baliza está toda escancarada,
Porque há muito o campo é um povoado deserto
Já só habitando nele velhos
E as vorazes marabuntas —
Bem como as imperdíveis múmias do Restelo.

E quando está aflito grita:
«Que, ai, Jesus, que estou à rasca!»
Que não tem dinheiro
Nem para a mais minúscula carcaça,
Nem para as argamassas com que se colocam,
Alinhados, um após outro, tijolos,
Muito menos o pilim
Com que se fazem roscas.

Talvez porque a sua bitola
Seja estratosférica,
Vista por uma lente que lhe enxertaram à nascença
Nos olhos da barriga, que os da cara
Andam quase sempre turvos,
Já para não dizer cegos,
Que com a cegueira não se brinca,
Bem como a maledicência
Que lhe é intrinsecamente congénita.

Talvez porque o povo
Saiba de quase tudo,
Sem querer saber
Do pouco mais
Do tudo que para ele é nada.
Talvez por isso estudar,
Esse episódio extra planetário
Seja um luxo desnecessário,
Mas frequentar a bola
Como bom católico,
Uma bitola de cátedra.

O bom povo Português é assim.

Tão estóico e destemido
Nos breves momentos de glória,
Como pobre e deprimido
Em imensos tempos sem história.
Tão esperto com o vizinho do lado,
Que não lhe ensinaram
Que esperteza matreira não é inteligência,
Quanto mais consciência crítica
E assumpção ordeira.

Ouvisse ele, o povo, o Jorge Bateira
E talvez não fosse frito,
Quanto mais assado.
Ou cozido sem o alinhavar, certeiro,
Perfeito, das velhas cerzideiras.

Fosse ele menos "gargantola",
Mais provido de siso,
Mais nutrido da leitura
Provido de compêndios, manuseador de livros,
Que são bolas de todas as cores
E feitios, redondinhas de letras
Com que se marcam os golos
Em todas as balizas do mundo,
A começar pelas barrigas dos meninos
E a acabar nas espinhas
E achaques dos velhos e dos doentinhos.

É que querer fazer tudo do nada
Só mesmo a Banca,
Esse usurário financeiro
Que muitos confundem
Com um fantasmagórico
Monstro carnívoro.
PAS, 22/12/2015

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