Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Palavras Feias

O uso corrente do palavrão ou palavra de baixo calão é muito interessante e revela a genial evolução do Homem e o polimento actual da humanidade. Na literatura infantil e juvenil com o argumento de não chocar as crianças e adolescentes, substituiu-se o baixo calão por grafismo: ossos, raios, crânios e o diabo a sete ficam à imaginação do autor.
Por um qualquer estranho motivo nos primeiros anos das nossas existências evitam-se os palavrões. «Muito bem!» pensei eu sempre. À medida, no entanto, que se entra num mundo mais evoluído e complexo os autores refinam-se. Tornam-se amigos de todos os diabos a sete, até aqui reprimidos, censurados.
É verdade que a vida é feita daquela espécie de esparregado (a que aqui chamaremos por causa das horas, de trampa), de filhos da mãe, de filhos de outros bastardos e de todos os parentes. Mas não existirão Eles e Nós, já desde que soltamos o primeiro arroto no berço, umas vezes sendo Nós, os infantes, outras vezes Vós ou Eles? Mas, se assim é, então porque desenhar ossos, crânios e raios, se os pudemos substituir já à nascença por falos, pequenas cabras e tudo o que a imaginação nos permitir.
E que estranha evolução é esta que nos faz sermos menos meigos à medida que nos crescem os ossos dos pés, os músculos do meio e as genitálias não diferenciadas? Dores de crescimento? Injustiças tamanhas? Caminhos a terminar em precipícios?
Da leitura das palavras feias da Rosário nem foi “gajo” (com mil raios e coriscos diria Haddock), o que mais me impressionou. Porque “gajo” pouco mais é do que alguém cujo nome se desconhece ou quer omitir.
Foi sim, “maltosa”, que é uma espécie de caterva ou súcia pouco recomendável, uma espécie de fungo ou bactéria que rapidamente pode alastrar às nossas doces, santas, angelicais crianças, cujo futuro não é tão risonho assim já que se antevê passarem em poucos anos a filhos de todas as mães e todos os pais.
Como ainda sou uma criança ingénua que ainda acredita que verga não significa mais do que isso, deixo-vos aqui um excerto dos meus "Pensamentos de Benjamin":

«Do nome dado à nave sabia que Catrina podia ter várias asserções: um diminutivo de Catarina — do francês Catherine —, um seio de mulher e ainda mais adaptado à circunstância náutica, uma espécie de roldana… ou aquilo que uma grande enciclopédia do futuro definiria de forma pouco clara mas sugestiva como «moitão de ferro manilhado ao chicote duma ostaga singela, onde labora pelo seio um amante de corrente a cujos chicotes manilham os cadernais das betas da ostaga, podendo assim içar-se a vêrga por um ou outro bordo a-pesar-de a ostaga ser singela».

Palavras feias?!

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Conversor de Austeridade em Oportunidade

Poema muito livre para converter em oportunidade a austeridade:

Se falta dinheiro nos cofres do estado taxe-se a música que dá nas calhas dos eléctricos, o vento que arrasta as folhas no inverno, o som dos tacões das mulheres nas calçadas, o ronco das barrigas dos esfomeados, o barulho dos clientes a gritarem "táxi", o crepitar das urnas nos cemitérios, a micção dos cães no espaço público, o chilrear entoado dos passarinhos, a caquinha entornada do céu por pombinhos, o espavento daquela assembleia a são bento, o grunhido esmagado da boca entupida do presidente, o arrastado baixinho do vento no buço das raparigas, a flatulência escondida no silêncio das "casinhas" dos prédios, o carcarejar das reuniões dos condomínios, o estrondo enorme do barulho do ajustamento, os suicídios pagos postcipadamente à entrada dos crematórios... e se ainda faltar dinheiro, olhem, deixem para lá, enviem o resto a pagar à ordem de fraulein... Merkel!
PAS

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

É Escritor Quem Escreve?

Ora vamos lá reflectir sobre isto: ser escritor é quem escreve? É! Mas, então, assim seríamos todos escritores? Pois! Então baixemos as nossas próprias expectativas. Chamemos a nós próprios, escrevinhadores! Há mesmo um amigo que lhes encontrou um termo mais escorreito: traças... daquelas que roem a celulose e são continuamente atraídas pela luz sem dela quererem fazer parte. E porque não? Porque sabem que se dela fizerem parte é porque já não são traças... mas ex-traças! Iluminarão uma vez? Exacto! Uma única vez, como o fulminante que nasce e morre no mesmo momento. E qual o critério para passar de uma designação à outra? O tempo… amigo! O tempo! O tempo e o leitor o ditarão! Mas são ambos corajosos? Parece-me que sim. Mas diria, por respeito a todos os que escrevem, que um escritor é um escrevinhador completo, do mesmo modo como um escrevinhador é um escritor incompleto. A persistência, o modo e o tempo se encarregarão de lhes prover um libré catita e as dragonas tão ambicionadas. Tanto uns como outros poderão ir para uma espécie de museus a que se dá o nome de bibliotecas. Uns serão devorados pelas traças... que criarão outras traças. Outros ficarão rodeados de pó. E não serão mais traças, mas uns minúsculos organismos chamados fungos ou bolores e que se encarregarão de lhes dar o destino devido: o pó, que não é mais do que traças e melgas condensadas no tempo.    

Pensamento de Madrugadas Altas

Pensamento de madrugadas altas:
Um escritor só é verdadeiramente escritor depois de perceber que escrever não é só colocar palavras à frente uma das outras, é mais saber retirá-las dos locais onde incomodam.
PAS

sábado, 19 de outubro de 2013

O Que É Um Escritor?

Caro Paulo
Tenho dez livros terminados e de três em três meses termino mais um.
Se sou um escritor daqueles que se badalam na espuma dos números? Não!
Se sou um escritor que escreve histórias esbracejando alegremente na sua imaginação? Sim! Glosando Jorge Amaro, sou um aprendiz do mundo até que deixe de escrever ou até que o mundo me diga: «basta, chega, que já tiveste o teu momento alto de prazer!» 
Sempre me perguntei: afinal o que é um escritor? Um homem livre com uma caneta na mão? Um paciente? Um médico? Um tipo que chega aos leitores, que os faz entrar no mundo dos seus próprios sonhos? Um tipo que escreve umas historietas e as vende aos milhares? Um tipo que promove a sua própria (auto) escopia? Um outro que faz da escrita um processo de exegese? Ou de gnose? Ou de terapia? Ou será que é um eremita? Um louco? Um criativo? Um copista? Um misto disto tudo, como aqueles pedaços de pão mais acabados, substanciais, que as simples tostas de fiambre ou de queijo? Há hoje uma linha ténue entre o escritor que é lançado para o mercado como um produto embalado e os milhares, milhões, que escrevem todos os dias, os seus dias, como diaristas, copistas vertebrados das suas sensações, enfados, alegrias e tristezas, que tentam invertebradamente afastar ao acordar, o remeloso dos olhos… e com ele… a solidão dos dias! Que ambiciosos de um tesouro, já há muito perdido, porque trazido à tona da descoberta, apenas saudosos de um abraço, de um afago, de que lhes chamem mestres, escritores, iludidos com um passado antigo como a do encanto de antigas hospedeiras, hoje transformadas, transformados, em comuns stewards, guardiões, trabalhadores rudes… da nossa imaginação.
A escrita como processo perdeu a virgindade, a nobreza, aburguesou-se, é agora um espaço comum para muitos que a julgam diferente, glamorosa, quando não é mais do que uma lamúria, um queixume de si mesma.  
Como se enganam quantos veem a escrita como sol e brilho, agora que a escrita, a literária, é apenas uma massa, um recheio, onde só uma diferença ténue no sabor, quase como uma descoberta feita do acaso, ou da conjunção dos astros, poderá alguma dia abanar o mais distraído dos leitores. E para isso é preciso paixão, persistência, desprendimento. Mas encontrar essa diferença ténue não é um objectivo, é uma missão de e para si próprio, de um cristo apaixonado pelo seu mundo que sabe o esperam mais espinhos do que rosas, mas que sabe estar em si ( e só para si!) a redenção.
Nesta perspectiva, meu caro, meus caros, só há um caminho para os apaixonados da escrita como fórmula verdadeiramente criativa: o tempo e a certeza de que escrever não é para redimir os outros, mas para nos redimirmos a nós próprios, apenas aos olhos de nós mesmos. Se os outros distraidamente captarem, olharem, ilidirem ou confrontarem por um momento apenas que seja, tanto melhor, que da nossa utilidade poderemos dizer que tivemos um pequeno ténue momento em contacto com os planetas exteriores, quando os astros se alinham e nos apontam os satélites de Júpiter ou os anéis de Saturno.   
PAS     

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A Cabana da Marta Wengorovius

Então, amigos, amigo Jordão, recostem-se lá aí num sofá e digam-me lá o que acham desta coisa estranha que me aconteceu:
Como decidi dedicar-me inteiramente a confeccionar livros, preparava-me para comprar uma daquelas casinhas da autoria daquela senhora com um nome aproximado a um violino Stradivarius : Marta Wengoroviu . Manias de um escrevinhador louco. Ainda estive a ver um T0 , mas decididamente teria de ser menos ambicioso. E, assim, nada melhor do que um T… e um quarto. Ainda me propuseram um T… e um terço, mas definitivamente já não se ajustava ao ajustamento. E sabemos bem como são estes lares que estão agora na moda.
Logo, a casinha servia na perfeição.
Como teria de vender os meus livrinhos, inteiros ou em folhetins, teria de mandar adaptar uma janelinha onde pudesse, tu cá, tu lá, barganhar pela portinhola tais preciosidades.
Algo que me preocupava, no entanto, era onde colocar as minhas pastas.
Como tenho todo o meu espólio dividido em três pastas, livros em fase inicial, livros em fase de acabamento e livros terminados, teria de prover para o começo mais espaço em cada um deles. Nos em fase inicial contei 29; na produção intermédia dos em fase de acabamento já só são nove. Nos totalmente finalizados proibidos de “de-puralina” contei apenas alguns em número par.
As coisas pareciam assim bem encaminhadas, e prontas para fazer a escritura, quando saiu um novo decreto de preparação do novo ano. Umas figuras muito queridas e risonhas chamavam-lhe orçamento… do Estado.
Encolhi os ombros, não percebia de que estado se falava ou se ainda havia algum estado, porque de estado só ainda tinha ouvido falar de estado de necessidade e de estado de banca e segundo ainda parecia… rota.
Terminava o tal de orçamento, abruptamente, com a cláusula de salvaguarda. Não havia mais salvamento, nem possibilidade de guarda, quanto mais de salvação. Estava tramado! Já só me restava um T… e um sexto.
Disseram-me entretanto que havia um sexto muito em conta que ficava na zona vermelha.
Achei estranho. Zona vermelha só conhecia uma zona que dava pelo nome de luz. Mas, enfim!
Como sempre gostei de usar vermelho, com excepção de quando ia passear para a campina com uma noiva que se chamava de Necessidade de Purificação, lá encontrei o edifício com um néon verde e vermelho, onde piscavam os seguintes dizeres: hostel.
De que tipo é que ainda não vos sei dizer, mas conto que lá figurem muitos livros com instruções de uso, de todos aqueles brinquedos excitantes, Toys ou lá como se chamavam, que vi nas fotografias da amostra e que tão diligentemente os publicitavam:
Excelente! E ainda há quem diga que precisa de uma cabana para se recostar a ler!
PAS

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Contato de espíritos

Muito interessante a interpretação de Barnes, mas um tanto elitista. Algo que não encontrei n’ "O prazer da leitura", de Proust, que confesso não conseguir largar da cabeceira. Para Proust não há ignorância de livros porque isso é mesmo, para um homem de génio, uma marca de grosseria intelectual e quiçá redutor do todo.
Para Proust toda a leitura e o saber conferem “as boas maneiras” do espírito.
E a distinção de Barnes, entre leitores preguiçosos e maus leitores, faz-me pensar no modo como abordo cada livro, tantas vezes de aparente forma preguiçosa, com uma atenção tão desprendida como se as palavras ficassem a vogar no espaço, distraído; outras, sorvendo devagar cada palavra e cada sinalética como se estivesse a decorar um lugar onde queira voltar… E já nem muitas vezes me preocupando em decorar o próprio título, já que os livros deixaram de ser caravelas, naus ou brigues… Interessa-me mais o mar onde elas vogam.
Ler torna-se, assim, um exercício de condução até uma estrada interrompida, onde mudo de condutor sentando-me agora ao volante, abrindo novos-atalhos, novas-veredas, novos-caminhos, sempre sem os olhos em qualquer auto-estrada que me dê o título de leitor não desprendido ou de cidadão respeitado da polis.
No respeito, até da leitura, perde-se tanto “as boas maneiras do espírito” e o paradoxo é que continuamos a precisar da preguiça do bom selvagem. Sem igual é tudo tão sem gosto como, aquilo que me confessava há pouco uma revisora-amiga, o sabor de um copo-de-água.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Abecedário do tempo e dos lugares

Num tempo social onde se plantou por engano um «s» de sucesso, onde o «s» de sociedade se confunde com o «S» grande de sucesso, o resultado fez-nos regressar à primeira letra do alfabeto: o «a»... de agressividade... felizmente bem perto do «a» maior do afecto.
Esperemos é não ter de passar por muito tempo pelo «a» de angústia, pois bem gostaríamos de abraçar no nosso tempo e por muito… um "H" grande mudo (mas sonoro nos corações) de harmonia.
PAS

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ler Proust

Ler “O prazer da leitura” de Proust, esse prefácio para a tradução de “Sésamo e Lírios” de John Ruskin (escritor romântico inglês, poeta, desenhista e crítico literário e social) é ingressar num lugar brilhante onde a realidade é suplantada por esse domínio de capricho do pensamento. Em todos os lugares há frases que de tão intensas não podem estar guardadas a sete chaves… em Proust esse lugar parece um canteiro cheio de rosas bravas feitas crescer pela mão do homem. Uma dessas chaves é «estar no domínio do flutuante do capricho onde o gosto de uma única pessoa não pode fixar a verdade».
Uma frase a que, nos tempos que correm, devíamos prover mais reflexão e debate: é que o gosto, mais do que uma fixidez de olhar, é uma flutuação do mesmo… a que Proust chama capricho.
A outra frase já não é de Proust… mas trazida de Descartes: 
«A leitura de todos os livros bons é como uma conversa com as pessoas mais sérias dos séculos passados que deles foram autores».
E é essa conversa que agora Proust, aludindo a Ruskin, acrescenta: 
«A leitura é exactamente uma conversa com homens muito mais sensatos e interessantes do que os que podemos ter ocasião de conhecer à nossa volta»… e rebate: 
«É no momento em que nos disseram tudo quanto nos podiam dizer que fazem nascer em nós o sentimento de que ainda não nos disseram coisa alguma»; a verdade «temos de criá-la nós próprios»… e é no «termo da sensatez dos outros que surge o começo da nossa.»

domingo, 6 de outubro de 2013

O regresso com o outuno ao verão dos livros

Hoje passei pela Fnac do Chiado. 
Como de costume não me demorei no piso térreo, mas no paraíso que na FNAC parece uma descida ao inferno do céu.
A desumanização de que tanto falo e combato estava lá. 
Um livro do Valter Hugo Mãe, "Desumanização", cujo conteúdo entrevi sem opinião concreta, exceptuando a magnífica, excepcional capa.