Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

terça-feira, 30 de abril de 2013

Nova Viagem À Índia

Noutras contemplações
E noutros caminhos
Já viajei à Índia.

Um lugar viajado por muitos
Com bilhete de ida e regresso,
Que é uma volta
Por caminho mais longo.

Nesse lugar mágico
Sentei-me a separar
As especiarias
Esses aromas sagrados
Como a canela e o anis,
O cravo, a noz - moscada,
E até pigmentei, apimentei?
A minha boca
Com um pedaço de açafrão
Que me diziam curava
As maleitas das células.

Noutros tempos
Já viajei à Índia:
Mas as especiarias, essas,
Deixei-as na sua terra original,
Onde se cruza o Ganges
Com o Bramaputra
E onde repousa,
(Motherhouse Convent),
Madre Teresa
De Calcutá.

Às especiarias
Não as quis trazer para lugares
Mais frios e húmidos,
Onde se tornam espessas,
Duras e amargas

E se tornam espécimes muito,
Muito pouco apetecíveis.
©PAS

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Capital De Conto: Correr Mundo Com Miguel Esteves Cardoso e Maria João

O post que aqui vou colocar é de risco (mas não é a vida um risco contínuo?) já que compromete a minha imagem de sanidade (mais emocional que mental, espero!) embora tenha uma componente... Capital de Conto.
Antes do mais quero dizer que não é fácil a vida de quem não se compra, nem se vende, nem usa estratagemas viciosos (não?) para entregar a carta a Garcia. Ser reconhecido, nem que seja num fogacho momentâneo como quem ganha um euromilhões, saindo dos tostões do aleijadinho (talvez por isso goste tanto do tão maltratado Dinis Machado), é o objetivo confessável ou inconfessável de qualquer de nós: todos queremos colinho, todos queremos revisitar a nossa infância e é nesse medida que este comentário é «Capital» no seu sentido denotativo.
Ontem redescobri (reconheci?) inusitadamente um sorriso aberto num elemento de um casal, lindo no amor, de uma emoção ao estilo de Pedro e Inês (sou muito dado a isso, a emocionar-me com a amizade e o amor genuíno, arrebatado, intenso, com a lealdade do ser... para mais quando condimentada com as histórias de dureza da vida, com a beleza e bondade das relações).
Descobri por detrás do amor de Miguel Esteves Cardoso (do Miguel de sorriso aberto com quem me cruzava na Universidade e com quem me deliciava com a sua irreverência escrita e dita) e de Maria João, um outro sorriso da minha juventude: Maria João, a própria, ou pelo menos a suspeita da sua pertença; a Maria João da cidade dos Templários, dos amigos Lousadas, do Areeiro, da «Capital» dos estudantes deslocados e nos emprestados por uns tempos.
É só uma suspeita, é certo, num rosto marcado indelevelmente pela dor e sofrimento (mas também pela vitória da vida, que adia a nossa passagem) mas mesmo assim com um sorriso alegre passado estampado suspeito, reconhecido com grande probabilidade pelas minhas atentas «gavetas».
Hoje percebo que essa Maria João com quem hipoteticamente convivi na Capital despreocupada dos estudantes, do sorriso e gargalhadas alegres, fácil de nos fazer apaixonar, só poderia estar destinada a um outro sorriso traquinas como o do Miguel. E tudo isto passado na «Capital». Como é bom sentirmo-nos humanos [quem disse que recordar (não) é viver?] uma e outra vez e, usando apenas (apenas?) o estratagema da memória, podermos reler cartas emocionadas e emocionantes nunca entregues a Garcia. Como diz o editor pela voz de Rosário: «A beleza e a alma de uma cidade ultrapassam as fotografias dos locais que aparecem nos postais ilustrados, onde se aglomeram turistas ocasionais. Uma cidade constrói a sua singularidade sobretudo nas vielas e nos becos, nos sentimentos dos seus habitantes ou nos rituais da sua vida quotidiana»
(Do mundo das Maria João, ficou-me o sorriso alegre e aberto de uma; Maria João há muitas e nem todas são aquelas que suspeitamos ou fazemos de conta que são; e não sendo, podemos sempre tê-las como efémeras num Capital de esperança! Obrigado, pelo empréstimo!)

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Menina (Poema de Adolescência III)

A aprendizagem da poesia, da infância à fase adulta, da rima à não rima, num outro poema de adolescência. 
Será que hoje é dia mundial da adolescência?


Menina de curto cabelo
Tão rabina no desvelo.
Leva numa mão o pão,
Leva o vinho no cadinho.

Leva a trouxa
Que um trouxa
Jogará pelo caminho.

Corre o mundo
Tão com graça
Que uma velha, 
que de graça,
O regaço,
E mais não tem,
Lhe dirige a palavra:

«Estás perdida, ó menina,
Ó levas o amor de alguém?»

A menina, 
Tão traquina, 
Verte um rosto 
Em confissão.

«Palmo o mundo,
Na procura do Senhor!»

De sobrolho levantado,
A mãe de muitas mães,
Um grito dá e cai varada
Pela mais atroz das confissões.

«Não blasfemes do Senhor
Que do pomo veio Adão!»

E de confissão pegada
Espanta uma prece ao Senhor.

E a menina esfarrapada
Que de corpo mais não tem
Segue sem tino e linho
A vereda do caminho.
©PAS

Obstinação (Poema de Adolescência II)

O tempo é uma variável que não controlamos.
Uns perdem-no, outros gastam-no com medo de o não conseguirem possuir intensamente. 
O retorno ao passado pode ser até estranho, como estranho é me já este poema inscrito num caderninho de capa preta, numa letra miudinha que quase já não reconheço, de adolescente, de seu nome, "Obstinação".  

Oh homens célebres tu escrevestes
Invocaste a matéria
Estádio alto e supremo bem
Desta vida incipiente!
Mas eu sou espírito,
Ignóbil consciência que me trai
Não mais consciência quero ser...
Sou feito de carne e osso
E como carne e osso
Quero viver
(...)  
 ©PAS


terça-feira, 23 de abril de 2013

O Desafio

Num país muito individualista onde a desunião não faz a força, faz falta uma atitude mais cooperativa. Um destes dias gostaria de escrever um livro a duas mãos, num mano a mano literário. 
Fica o desafio!

segunda-feira, 22 de abril de 2013

O Esteves, As Mulheres E Eu

Quando estou a ler o Miguel Esteves Cardoso é como se me estivesse a ler a mim próprio. 
Leio-me na reflexão que Miguel faz a cada passo, uma espécie de racionalidade travestida e nas suas adjetivações constantes, como se a vida fossem constantes pontos de apoio onde colocarmos o pé - ou nos estendermos ao comprido.
Quando o miguel diz que «o amor é um exagerador» faço dele as minhas palavras, porque querer estar só com uma pessoa da raça humana é um exagero, mas é também uma opção de vida. 
A unidade de que fala só a compreendo assim, os dois num, como se pouco houvesse à nossa volta que nos pudesse interessar. 
É nesse sentido que me pelo - sem «pêlo» visível - pelo amor de pedro e inês, ou de saramago e pilar, ou de miguel e maria joão. 
A unidade no amor leva-nos a uma bolha, uma espécie de bola de encantar que procuramos preservar a todo o custo... mesmo quando as suas paredes começam a estar mais gastas e frágeis que as nossas veias e artérias e as procuramos laquear por todos os meios.
E depois, miguel diz uma coisa que me parece soberba: «No IPO encontrámos imensa gente com muita coragem. Nem parecia Portugal. A coragem, afinal, não custa»... sim, essa última: «afinal a coragem não custa!» 
Só que ele acrescenta: «O cancro dá o susto que faz com que as pessoas apreciem a vida.» 
Pois, afinal é preciso motivação: o cancro é que muitas vezes é invisível e só exposto nos torna gente corajosa.

domingo, 21 de abril de 2013

Insónia Inquiridora (Poema de Adolescência I)

Insónia minha tua sombra me persegue
Amor meu, conforto da minha alma
Lindo corpo de fidalga
Lindo corpo de mulher atormentada.

Mordaz corpo de senhora
Rosto belo e infantil
Pureza tua, meu amor
Doce corpo de criança.

Longínquas noites nos sonharam,
Noites de espanto passaram.
Noites belas, sonhos belos.
Belos sonhos de criança.

Alma minha mui gentil
Alma tua de criança
Alma de amor bem profundo
Alma de paixão e de esperança

(...)
©PAS


As Emoções Do Livro Das Faces

Um dos aspetos mais interessantes no facebook é o imaginário de uns e outros e a vertente quase esquizofrénica da busca do nosso ser perfeito. 
A amálgama de cruzamentos de almas solitárias ou de almas insatisfeitas, autênticos pica-paus a debicar em buracos de árvores à procura do pássaro ideal: gente que procura uma palavra que a conforte ou mesmo gente que tenta tirar ilações ou buscar afetos em destinatários plurais; gente que quer ser amada no plural, a distância, esquecendo o afeto do sentido do tacto.
Uma busca desenfreada que esquece o essencial: não há seres humanos ideais, nem perfeitos, há apenas seres e os mais importantes são os que estão ao nosso lado e dizem todos os dias presente… esses  são os mais importantes e devem ser acarinhados, mesmo que não vivam no livro infinito das faces da nossa imaginação.   

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Homem Feroz

Se há ferocidade que me assusta
É a ferocidade do homem justo.
A outra, conhecemo-la,
Convivemos com ela
Ajustamo-nos a ela.
Ao homem justo
A injustiça é como um cravo
Que cresce vagarosamente na pele.
Um tormento para quem cuida
Não agredir os elementos
Que a compõem.
Ao homem justo
A revolta dos pacatos
Só cessa com a extirpação
Pura e dura.

©PAS

terça-feira, 16 de abril de 2013

A Capa, Esse Mar De Entrada

Todos os dias utilizo símbolos. 
O frugalismo da capa remete-me para uma imagem sacra a quem falta emoção e estética; como a escrita me sabe a um registo aproximado de signos e sons, uma representação de coisas e ideias, sejam elas fonéticas ou ideográficas, não consigo separar assim as águas.
Quando escrevo os meus pequenos livros, uma das primeiras coisas que faço é imaginar uma capa com uma imagem sugestiva, assim uma porta de entrada sem ter de folhear as páginas; uma piscina onde imerjo num outro mundo sem ter de percorrer distâncias infindas.

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Espaço E Tempo

Sabemos na nossa relação com o outro fazermos uso da comunicação corporal, oral e escrita. Da escrita sabemos ser um registo aproximado de signos e sons, uma representação de coisas e ideias, sejam elas fonéticas ou ideográficas. Todos os dias utilizamos estes símbolos para exprimir ideias seja através de cartas, currículos, textos pessoais, trabalhos académicos, reclamações, requerimentos, apresentações, relatórios, discursos, comunicações de empresas, conteúdos Web, brochuras (…) e todos os dias queremos que esses registos sejam o mais percetíveis possível. Sabemos também que um dos maiores privilégios do homem é desfrutar do tempo. Tempo que é curto e não sobreponível para as imensas tarefas do dia - a - dia: também sabemos isso, como sabia o sociólogo Giddens que falava não só «da consciência do homem na sua própria finitude e consciência do passar do tempo», como na «capacidade limitada dos seres humanos de participar em mais de uma tarefa ao mesmo tempo», ou na «restrita capacidade de armazenamento de tempo-espaço»: no fundo, nos «constrangimentos não só das fronteiras físicas e geográficas», mas também na existência das «paredes espácio-temporais em todos os lados». Como também percecionamos ser cada vez mais difícil, num mundo a múltiplas vozes e interesses, despertar a atenção do outro: mais a mais quando esse interesse diz respeito a algum serviço ou produto, e mesmo que despertar os sentidos do outro possa parecer tão natural como comer ou respirar.
Como nos foi ensinado um texto poder ter um sentido denotativo ou conotativo. Este último mais ligado ao texto científico, informativo, empregando as palavras num sentido mais dicionarizado, ao contrário do conotativo, este ligado a um texto mais literário, mais metafórico, mais liberto no sentido da emoção e da estética. Sabemos isto e tentamos sempre conjugar estes dois sentidos, libertando-nos dos constrangimentos do espaço e tempo.

domingo, 14 de abril de 2013

As Flores Que Repousam Em Ti!

As flores que repousam em ti
São como meninas e tempos agrestes:
A Lúcia lima que me ofereceste
Soa-me a um cheiro
Que me inverte o paladar.
Nada é mais belo
Que a flor lilás que me deste
Adoro-te o tempo
E faço-te menina.
Que repouso é este
Que sinto no meu coração
Esta espécie de sopro
De um tempo que sei
Há de retornar?

As flores que repousas em ti
Serão sempre viçosas!
  
©PAS

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Lello E A Dialética Em Voga

Quando se muda de modelo de negócio, deve-se assumir a mudança de atividade (com a leveza que a queda da consoante muda permite). Tudo como o fulcro de uma história: a história de uma dialética… tese, antítese e síntese. E, 2*2000*30 dias... é só fazer as contas! Se fosse gestor na Lello era só souvenirs: o quase superávit da balança comercial agradeceria. Afinal «todos nós», brevemente, faremos parte de uma vitrina retangular com os dizeres: «indígenas a quem chamavam portugueses extintos por… Schuld» - não vítimas do H5N1, de stress causado pela ameaça nuclear de kim Jong un, da pneumónica, mas da impressionante Schuld (por termos sido gastadores compulsivos irresponsáveis). Bem lá no alto das escadarias da Lello um pequeno gasparzinho, simultaneamente guarda e guia, com uma farpela idêntica a um guarda de museu, com um boné estalinista, a refulgir de medalhas reluzentes ao peito (passe o pleonasmo) o último dos portugueses! – por ventura o primeiro dos supranacionais, um gaspariano, o grande dialético, grande líder dos comitólogos e da grande cidadania do olimpo da Schuld. Consta que da sua má educação ninguém se queixará, pois exprime-se naquele bom inglês que o alcandorou, no dizer de uma tríade, à fama de líder «impressionante» e grande mentor das cinzas, de onde renascerá um novo e brilhante mundo novo – como o novo modelo de negócios da Lello é prova provada e irrefutável (passe a redundância, quiçá a arrogância que não pode ser confundida com soberba ou inchaço de anfíbio).

quinta-feira, 11 de abril de 2013

A Todo O Vapor

«Riram-se todos ao mesmo tempo.
- A que céu é que te estás a referir? – perguntou Ribau, o primeiro a parar de se rir.
- Deixa para lá, Ribau – protestaram os outros amigos, enquanto Anton recomeçava:
 - O homem musculoso, mais do que musculado, deitou-se a cismar e a dormir acordado, fechando para sempre a porta de casa a qualquer mão marota que escondesse uma dor ou um desejo.
Aos amigos, vizinhos e familiares que lhe estranharam a reclusão, invariavelmente respondia:
«Musculoso, mas romântico.»
Castel riu-se.»

PAS

sexta-feira, 5 de abril de 2013

CRISTINA BERGOGLIO: O ABRAÇO DOS ARTISTAS

EL ABRAZO DE LOS ARTISTAS
Por un lado reunidos, las páginas oscuras de tus ojos
por el otro, tu víscera sedienta de mi texto
Unidos en el lecho ancestral del arte
Tú con las manos escribiendo mi rostro
Yo con el pincel esculpiendo tu cuerpo
La vida nos ha demorado, antes de reunirnos
En las aceras del dolor y el desarraigo
Por eso ahora somos tan ligeros
De cornisas, de equipajes, de tiempo
Por eso ahora podemos disolvernos
En un abrazo anhelado, un abrazo casi desierto
En un beso que tiene siglos
Un beso dónde nos mutilamos del miedo.
Por un lado reunidos, las banderas patriotas de tu boca
Por el otro, los estandartes rubios de mi sexo.

Por um lado reunidos, as páginas obscuras dos teus olhos
por outro lado, as tua vísceras sedentas do meu texto
Unidos no leito ancestral da arte
Tu com as mãos descrevendo o meu rosto
Eu com o pincel esculpindo o teu corpo
(...)
(Cristina Bergoglio; trad. PAS)

quinta-feira, 4 de abril de 2013

«O Acordo Ortográfico E Os Seus Trolhas» e a «Escrita No Coração Da Linguagem»

O novo (des) acordo ortográfico remete para mais rios de tinta que o sangue derramado pelos egípcios no egito. Não me pretendo envolver nestas guerras de "chinfrim e manjerico" (não manjerona!) Nem nas efígies, «esfinges de um Padre António Vieira» tisnado e alumiado pela fogueira da inquisição, que não pelo sol da galileia ou pela secura do monte sinai.
Tenho demasiado respeito por escritores como Vasco da Graça Moura, tolerância pelos erros de uns e outros - entre eles, aquelas figuras a necessitar de olhos penetrantes de águia, de grande acuidade, a que chamam de revisores - maleabilidade de espírito e uma liberdade a raiar a anarquia respeitosa. 
A peça o «Acordo ortográfico e os seus trolhas», escrito de António Guerreiro, chamou-me a atenção para uma frase que me apaixonou: «instalar a escrita no coração da linguagem e não no exterior dela». 
Frase admirável pela beleza e pela utilização que se pode fazer dela: é que tudo hoje parece estar suspenso do lugar onde se encontra o coração. 

Sintam-lhe o cheiro, por favor ... ao manjerico!

terça-feira, 2 de abril de 2013

O Padre E Os Pincenês

Ontem a Rosário «chamou-nos» a atenção – obrigado, Rosário! – para, «O Padre». Não conheço do «padre» (o Nosso papi) todas as obras, mas há pouco tempo tive a vontade de me documentar e ler parte da sua obra: e isto antes de Francisco, o Franciscano pobre, amigo dos animais e dos pobres, a única igreja despojada que reconheço e com quem me quero dar.
Obra extraordinária de um século que a história não dá como extraordinária – mas o que sabe a história se não atravessou mares como António a bordo de frágeis «naus», nem viveu a epopeia humana de quase um século de António Vieira?
Desse interesse de um padre que foi homem, diplomata, escritor, ator, que foi amado, tentado, idolatrado, odiado, perseguido, invejado, saiu um romance já há algum tempo terminado (a marinar, como até o alimento do espírito necessita para ganhar algum sabor) que talvez um dia veja a luz do dia - mais não seja em fascículos de/na rua, quando o autor bater de porta em porta num Portugal desmaterializado (empobrecido nunca, que só é pobre o doente, o inválido – quantos pobres plenos de material, como diria a Rosário, «caminham contra nós, na nossa direção», acrescentando eu, «não colocando no entanto os seus olhos em nós, muitas vezes pelo fumado dos vidros, atropelando-nos de encontro às nossas esquinas?!») de um século até agora esvaziado e que os historiadores recordarão no futuro como um século não extraordinário.
Do meu capítulo anteprimeiro fica um extrato - como eu gostei à imagem do padre de ter um capítulo anteprimeiro – consta, assim, não servindo de sermão a este século onde só os peixes parecem ter inteiro o siso:  
«Se eu falei há pouco do pincenês de Benjamin Franklin foi porque tenho de me confessar sobre o que penso ser o meu maior pecado. O meu maior pecado não foi nem ser Sebastianista, nem putativo Bandarrista, nem ter oficiado sermões ou sido profeta na minha terra ou em qualquer outra, nem ter negado e escondido as visões que me atormentaram por mais de trinta mil noites (nota de autor: isto obrigou-me a uma matemática simples, mas mesmo assim uma aritmética que até meteu prova dos nove), nem entornar um copito a mais na taberna, nem por gostar de uma vida sossegada e contemplativa, nem por gostar e respeitar a natureza, nem por ajudar a proteger os gentios do Brasil com actos (n.a.: na revisão imposta deste século leia-se atos, escreva-se, por enquanto, como se quiser), nem contra a barbárie de alguns colonos e senhores dos engenhos do açúcar, nem por usar o pensamento contra outras injustiças perpetradas em África e Ásia, (…)»

À Procura de Hyacinthe Garin

Em 1889 a Typographia da Companhia Nacional Editora imprimia um livro de um nosso maior com tradução em verso francês de Hyacinthe Garin, um amigo de messieur José. Tempos ainda de outros acordos ortográficos de um Portugal ainda mais redondo, inchado talvez fosse o termo mais apropriado, e complicado. Isto visto sobre a nossa lente atual e sabemos bem como não nos devemos debruçar sobre o passado, com uma lente de um tempo diferente. 
Luiz, o autor, de tradução dedicada a José, Maria Latino Coelho, começa a sua descrição desta maneira:

O vous, hommes vaillants des plages lusitaines
Qui, partis d’Occident, avez par vos exploits,
Soumis bien au delà des côtes africaines
Des mers qu’on sillonnait pour la première fois;
O vous, que méprisant les vents et les tempêtes
A travers les dangers, les combats de géants,
Parvintes à poser, pour prix de vos conquêtes,
D’un Empire nouveau les premiers fondements;

A este país de bacias xistosas onde se guardam tesouros imensos, e a que muitos agora querem retirar e exaurir todos os recursos, culpa nossa e culpa de outros, já o prefácio do tradutor inflamava: «le Portugal, situe à l’extrémité de la péninsule hispanique, est tellement favorisè par la nature et sa situation qu’on pourrait l’appeler le Paradis de l’Europe (...)»
Obviamente que em 1889, à data desta tradução de «Les Lusiades» de Louis de Camoens com um trema no e, ainda Portugal não pertencia a esse ardiloso mosaico transeuropeu de povos, a que chamamos hoje de União.
Esta edição, luxuosamente encadernada como prémio a uma estudante emérita dos anos 50 da Ecole Francaise de Lisbonne, por escolha do proviseur E. Dumazet e ofertada par monsieur l'ambassadeur de France, reconduz-nos a um tempo onde o premeio do mérito não era possivelmente também regra, mas exceção. 
A estudante a merecer este destaque foi «l'elève Odette Rombert», senhora minha mãe, estudante posterior de Germânicas e Românicas, uma estrela de inteligência e bondade, das suas letras, dos seus alunos, do seu marido, dos seus filhos. 
Muito prematuramente adormecida nos longínquos anos 80 do século pretérito - se prematuro admite muito ou pouco - Deus a tenha e a guarde no seu regaço, «femme vaillant des autre plages lusitaines et d'autre temp emèrite»

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Um Conto, Um Anão, Uma Ninfeta; Nabokov, Lolita, As Órbitras Dos Peixes e o Padre António Veira

Já há muito tempo que não me chegava ao palato o termo ninfeta, que me revisita a leitura dos autores russos da minha juventude como Nabokov e a sua Lolita: juntar um anão e uma ninfeta parece explosivo e pela certa jocoso.

A frase seguinte do post sobre a «literatura a sério e bastante variada» pôs-me a pensar sobre o que é literatura «à séria» num portugal muito polarizado, de reminiscências fatalistas, muito padrão «príncipe de gales» e sobre a variedade que tanto aprecio - tão pouco posta à prática.

Nesse aspeto é bom que Trevisan se permita revisitar os contos, literatura tão mal tratada ultimamente pelos marketeers, que nem sempre «alinham» nos gostos do público, influenciando tantas vezes erroneamente os «sim» dos editores.

O «humor negro disto tudo e a maldadezinha» é um portugal impossível de ser profeta na sua terra, aceitando aos outros o que não aceita ao próximo.

E falo dessa espécie tão maltratada em portugal que são os contos, muitas vezes travestidos em romances com uma espinha e medula pouco mais complicada do que a dos peixes, encandeados só de ver a luz do dia quando as suas órbitas ultrapassam ao de leve a superfície. 

«Ah, Padre António Vieira como fazem cá falta os teus sermões.»   

Flocos Para O Meu Aquário

Há dias assim. 
Dias em que olhamos para trás e nos apercebemos que faltamos à chamada. Estes últimos dias foram assim. Faltei à chamada deste espaço. Faltou dar-lhe dois flocos para se alimentar como aqueles peixes avermelhados que serpenteiam pelo aquário redondo. Mas foi por uma boa causa: novas sementes deitadas ao rio.
«Quando Anton largou o livro possuía uma vontade de se tornar um novo cavaleiro da felicidade. Como era possível, velhas e novas, homossexuais e heterossexuais, balzaquianas e jovens, terem sentido um novo apelo à sexualidade? Que fenómeno estava por detrás de uma vida triste, rotineira, gasta?
- Mas isto é quase improduzível! – exclamou em voz alta. (...)»