Citações:

Sem o direito natural não há Estado de direito. Pois a submissão do Estado à ordem jurídica, com a garantia dos direitos humanos, só é verdadeiramente eficaz reconhecendo-se um critério objetivo de justiça, que transcende o direito positivo e do qual este depende. Ou a razão do direito e da justiça reside num princípio superior à votante dos legisladores e decorrente da própria natureza, ou a ordem jurídica é simplesmente expressão da força social dominante
(José Pedro Galvão de Sousa, brasileiro, 1912-1992)

terça-feira, 5 de março de 2013

Viagem A Tavares

Caro Tavares,
A quem chamei filósofo
Embora te encontre nos livros
Como poeta, ficcionista
E escultor de palavras.
Poucos saberão quem és,
Nem tu o saberás por ventura.
Na tua mão está uma hermenêutica
Que te permite enamorar as frases
De um modo não possível ao simples mortal.
Na tua mansão estão dezenas de livros abertos
Cheios de figurinhas de santos e de diabos,
E centenas de cartas que atestarão
Que vives no seu seio,
No meio de sábios e de demónios,
E que com nenhum deles encetaste diálogo
Ou elucubração, fantasia, ou provocação,
E muito menos estabeleceste um pacto
Dos infernos, com sábios, diabos,
Ou com o próprio Lúcifer
E os seus temidos, irrequietos,
E leais mordomos,
Cujas lunetas encavalitadas nos cornos
Lançam centelhas
Arrasando como fogos de santelmo
A inundar e a bordejar a porta desses drenos
A que chamam poços dos infernos.

Esta viagem iniciada a Tavares
Lá onde mora Gonçalo M.,
Soube-nos a pouco,
Mas é porque o ar ainda está frio
No revirar das páginas
E das lombadas,
E o nosso corpo e o teu olhar
Nos parece enregelado,
E as nossas mãos ainda parecem
Lisas sombras, nada carcomidas,
E temos medo de nos precipitarmos
Nesse desfiladeiro às portas do abismo
E nos encontrarmos face a face com,

O senhor Juarroz, ou o senhor Valéry,
Ou o senhor Henry, ou o senhor Brecht,
Ou o senhor Calvino, ou o senhor Walser,
Ou o senhor Breton, ou o senhor Swedenborg,
Ou o senhor Eliot,
Já para não falar na máquina de Walser,
Ou no senhor Klaus Klump,
Ou sentirmos, como num laboratório,
Que se poderia - porque não? - chamar de (…),

(Que a publicidade não é para aqui vinda!),

Laboratório Novalis.

E, arrastados pelo medo, pela ciência
E por ligações geométricas,
À perna Esquerda de Paris
Seguida ao perto
Pela do Roland Barthes e do Robert Musil,
Boiando, como aspirina em água,
Na colher de Samuel Beckett,
Ou,
Em Matteo que perdeu, desgraçadamente,
O emprego,
Encantado por uma sereia
Que encanta não pela beleza,
Ou pela graciosa cauda,
Mas pelo olhar.

(Quem não o perde agora, entretanto?,
Ao emprego?

Mais a mais se semear tamanhas,
E curvilíneas, pantominas?
Há quem lhe chame, viagens, delírios,
Sarcasmo, invejas,
Há mesmo quem ache
Uma imatura prova dos nove,
Uma velatura,
Com o invólucro todo,
De asno),

Ou com o senhor
Desse território a que chamam
Para além de Jesus,
Porventura o território
A que outros chamam de,
Jerusalém.

Caro Tavares
Toma atenção,
Porque só repito uma vez
Porque perdão e atenção
Só se obtêm
Em tempos de tanta avidez,
Como prova de enorme generosidade.

Não foste tomado pelos raios solares
Mas pelo incómodo de nos receberes
Nesta peregrinação pelos demónios
Do teu olhar,
Nesta procissão que te dá como um ser
Profusamente racional,

(Que de fé, se tem a razão?),

Um cartógrafo ou um geómetra,
Um epicurista, um cínico,
Desta nossa viagem, Gonçalo,
A um lugar que não encontrei no mapa,
Nesta nossa caminhada
Pelos lugares que habitas,

Nesta nossa viagem
A esse teu cantinho,

Nesta nossa viagem
A esse teu lugar improvável
De filósofo,

(De atomista a sofista,
De céptico a epicurista,
De estóico a escolástico,
De teocêntrico a cartesiano,
De empírico a positivista,
De marxista
(Materialista da história, Gonçalo?,
A existencialista),

Nesta nossa viagem à tua terra,
À terra da tua escrita,

Nesta nossa viagem,
Com a tua física e a tua química,

(E há quem te diga só um filósofo,
Quando está provado
Pelo acima posto e exposto
Que usas a trincha,
E a salpicas pelo
Corpo todo)

Nessa viagem
Que há muito iniciaste
E que partilhas
Com generosidade,
Nessa viagem
Que dobra vezes sem conta
O percurso à Índia,

Nessa viagem afinal,
A esse lugar mais do que provável,

Nessa viagem a Tavares.

PAS

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