Surpreendam-me!

Há dias que nos surpreendem:

porque nos dá uma vontade de dominar o mundo com o peito, 

como se o peito fosse um lugar sagrado e aramado, 

uma armadura capaz de suportar qualquer golpe de cutelo.  

Não é, no entanto, verdade, 

que seja a saudade que nos suba pelo peito a razão de tal  vontade, 

mas tão só um desejo de ir habitar no meio  daquele lago...

uma linda casota feita de penas, 

penas de gaivota, amassadas no barro daquela frágil ilhota

que nos suporta a decadência, 

e que nos cava um abraço, 

como num amplexo de mãos e braços. 

Há dias que nos surpreendem, 

porque não correspondem à imagem insalobra 

que temos de nós próprios. 

E é essa visão estranha, 

que nos trás surpresa de sermos menos indefesos,

quando escrevemos estúpidos poemas
que passamos a odiar.

Há dias que nos surpreendem, 

mas também há dias que somos um sequeiro,

no meio de um regadio que nos empapa de lama,

nos apodrece e atira para um esgoto

onde se amparam os desgraçados deste mundo, 

a quem o mundo já há muito deixou 

de os deixar
... surpresos!

Surpreendam-me, pois,
porra,
incompreendidos e
insurpreendidos
deste mundo!